Há limites e limites. Quantas
vezes não chegamos à nossa capacidade máxima de suportar um mau trato, uma
indiferença, uma agressão velada? Quantas vezes já chegamos à situação de não
ter mais absolutamente nada para dar e, mesmo assim, nos deparamos com o outro
a esperar de nós mais uma prova, outra necessidade a ser suprida, outra
urgência que não pode esperar.
A culpa é
inteiramente nossa, caso não tenhamos a capacidade de colocar pontos finais
onde já não cabem mais “pingos nos is”. A questão é que chega uma hora em que,
ainda que não sejamos capazes de encerrar os ciclos, as nossas fontes de
energia vão acabar se esgotando. E, ainda que sejamos teimosos o suficiente
para continuar funcionando no “stand by”, uma hora ou outra a gente vai ficar
tão seco, tão vazio que não haverá mais jeito de deixar pra lá.
Tristezas não reconhecidas vão
deixando a gente com pequenas sequelas afetivas que acabam por aflorar no
corpo, a fim de que não tenhamos mais como ignorá-las. Os músculos ficam
tensos, a respiração perde o compasso, os batimentos cardíacos ficam alterados.
E essas reações físicas atingem os nossos pensamentos em cheio, fazendo-nos
ficar em estado de alerta. A nossa incapacidade de estabelecer linhas de limitação
aos abusos vai criando por debaixo das inúmeras camadas de insatisfação,
abandono e tristeza um sentimento de raiva.
A raiva é aquela coceira
insuportável num ponto das costas que a gente não alcança. A raiva é aquele
amargor no peito que precisa vazar para fora de alguma forma, antes de nos
envenenar. A raiva deixa a gente fora do eixo; tudo irrita além do normal; nada
parece satisfazer. A raiva mina a alegria, rouba o prazer das pequenas, médias
e grandes coisas. A raiva azeda a vida.
Quando estamos encharcados de
raiva, sentimos alguns poderes momentâneos; somos acometidos por inesperados
rompantes de coragem e alguns pensamentos perpassam por nossas mentes,
fazendo-nos crer que realmente não dá mais, que já deu, que não é possível
adiar uma atitude. Só que a raiva é fogo de palha. No fim, a gente acaba
rosnando, mas não arranja força para largar aquele osso que até já se esfarelou
entre os nossos dentes cerrados de rancor.
Inúmeras vezes ficamos
“raivosos” por não sermos hábeis o suficiente para interpretar uma tristeza.
Outras vezes, esse comportamento irritadiço e impaciente pode estar servindo de
máscara para uma tremenda insegurança em nossa própria força para mudar o que
não nos serve mais. Ainda, em outras circunstâncias, é a culpa que nos faz
eriçar os pelos e cobrir as feridas com espinhos de proteção.
A agressividade, em incontáveis
casos, é apenas o disfarce para um esgotamento emocional. A gente precisa
arranjar um jeito de aprender a reconhecer que fragilidade e fraqueza não são a
mesma coisa. A gente precisa descobrir uma forma de se perdoar por não ter mais
o que ofertar. A gente precisa respirar num ritmo possível e parar de arrancar
a casquinha de um ferimento que vem lutando há muito tempo para cicatrizar.
Que hoje seja esse dia! O dia
em que nos foi destinada a libertação de tudo o quanto nos faça ser alguém que
não conseguimos mais reconhecer. Que hoje, ao deitarmos nossas cansadas
cabecinhas no travesseiro sejamos capazes de tomar a corajosa decisão de cortar
fora o que nos fere, sem mágoa, sem rancor, sem medo de ficar a sós com a nossa
misteriosa e própria pessoa. Que hoje a nossa tristeza seja permitida para que
possa, enfim, ter a chance de ser compreendida, apaziguada e começar a ser
curada.
Texto extraído da internet.
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